
Comida & Emoção
Respeitar a saciedade da criança é entendê-la como capaz de tomar decisões. Essa atitude ajuda não só a estabelecer uma relação melhor com a alimentação, como também com a vida, pois, a segurança de ser ouvido e acolhido e conseguir expressar seus sentimentos e vontades é preciosa.
A comida pode ser uma mobilizadora de sensações físicas e também emocionais e não comemos só para sobreviver: este é um ato também de prazer, de autoconhecimento e de expansão da nossa percepção do mundo, das culturas e das pessoas.
Quando colocamos em perspectiva a importância da comida para o desenvolvimento das sociedades, podemos enxergar várias questões de forma holística, com a profundidade que merecem. Temos a oportunidade de avaliar nossas práticas, de construir outras possibilidades de mundo, de consumo, de experimentar sabores, reverenciar outras culturas, e reafirmar nossos laços com nossa própria ancestralidade.
A comida é uma forma de perpetuação. De tradições familiares, de culturas. Pode ser uma porta para conhecermos outras formas de experienciar o mundo. Os sabores podem ativar nossos sentidos, nos ajudar a entender a vida de outra forma.
A forma como eu, você e cada pessoa sente é diferente. Tentamos, através da linguagem, dar conta dessa complexidade, descrevê-la, mas o fato é que as emoções nos atravessam de forma única. E nosso corpo é um catalisador dessas vivências.
A felicidade é uma construção diária e ela não é oposta à tristeza. Elas podem andar juntas. A gente pode estar feliz de estar celebrando mais um ano ao lado de quem ama e, ao mesmo tempo, estar triste porque alguém muito importante para nós não está mais conosco.
As “confras” reúnem amigos, colegas de trabalho e familiares, dependendo do seu contexto. E, em meio a essa alegria e camaradagem, também podem surgir comentários inconvenientes sobre a aparência, hábitos, gostos, entre outros.
De forma impactante, o filme mostra como somos afetados por uma cultura que valoriza a juventude e descarta a velhice e que se alimenta da constante insegurança em relação à própria imagem, como se fosse preciso haver um vazio constante, jamais preenchido.
Cada indivíduo tem suas próprias necessidades e suas demandas físicas e emocionais. Por isso, quando falamos em equilíbrio, precisamos ter cuidado. Um sinal de que há algum descompasso é quando, por exemplo, existe cansaço e sofrimento em demasiado. Se estamos trabalhando em excesso, se a forma como nos alimentamos não nos traz satisfação ou está nos adoecendo, se não encontramos tempo para parar e respirar, por exemplo.
O uso excessivo de telas, principalmente o consumo de redes sociais e de conteúdos que estimulam padrões de magreza e comportamentos de risco, pode gerar problemas de autoimagem, ansiedade e depressão.

Transtornos Alimentares
Pessoas com transtornos alimentares convivem com sentimentos de culpa por conta de sua relação com a comida e costumam buscar esconder seus hábitos alimentares para serem socialmente aceitos.
No consultório, escuto muitos relatos de pessoas que já desconhecem uma vida sem os TAs, pois o adoecimento cria um ciclo no qual, muitas vezes, o indivíduo não se reconhece sem a doença.
Nossa vida afetiva, seja ela em um relacionamento amoroso, familiar, de amizade, de trabalho etc, é atravessada por vulnerabilidades e confiança, em maior ou menor medida. Então, imagine como é se sentir culpada por sua relação com a comida, com seu corpo, com a sua aparência?
A alimentação reflete nossos hábitos e pode indicar disfuncionalidades na nossa saúde emocional. Por isso, quanto mais acostumados estivermos em verbalizar nossos sentimentos, em colocar nossas necessidades, falar sobre nossas dores, apreciar nossas felicidades, mais leve costuma ser o processo.
Para além das suas manifestações físicas, os transtornos alimentares são resultado (e também intensificam) sofrimentos psicológicos.
A sociedade contemporânea é obcecada pela perfeição e pela imagem. Vivemos em uma era visual (e virtual), que é bombardeada por propagandas, fotos e vídeos nos meios de comunicação e nas redes sociais.
Você provavelmente deve ter visto ou está acompanhando os bates em torno do uso de medicamentos destinados para tratamentos médicos, como o de diabetes, para a perda de peso. Entre as várias questões que têm surgido em relação ao tema está a pressão social imposta sobre os corpos, principalmente os das mulheres, para que se encaixem em um padrão de magreza e, para isso, todos os meios seriam justificáveis, mesmo que coloquem em risco a saúde física e mental.
Muitas pessoas chegam até o consultório preocupadas por observarem algumas mudanças na relação com a comida. "Eu gostava tanto de tal coisa e hoje não consigo nem olhar" ou "Comer determinado alimento me trazia muita satisfação, mas hoje, é indiferente. Tem alguma coisa errada comigo?" são algumas das colocações que ouço com frequência. E não há resposta genérica: cada caso precisa ser observado individualmente.
Talvez você nunca tenha ouvido falar do termo Mukbang, mas é bem possível que já tenha se deparado com um vídeo desse gênero. Trata-se de uma prárica na qual uma pessoa se propõe a comer vários tipos de alimentos em grande quantidade, e em um rápido intervalo de tempo. Tudo isso transmitido ao vivo.
Quando você vê propagandas de roupas, beleza, produtos no geral, você consegue se enxergar? No cinema, na televisão, na música e em outras expressões artísticas, há pessoas que se pareçam com você? Não costumamos nos fazer essas perguntas com frequência, pois a padronização dos corpos e outras formas de opressão (racismo, LGBTQIA+fobia, capacitismo, só para citar algumas) criam a falsa impressão de que o "padrão" é o único caminho a se seguir. E só pessoas que se adequam a ele podem ser vistas. Nos últimos anos, porém, essa percepção tem sido cada vez mais desafiada.

Acolhimento & Autocompaixão
O bem-estar tem várias facetas. Pode ser preparar aquela comida que te dá conforto, assistir a um filme, conversar com os amigos, meditar, se exercitar, ficar de pernas para o ar na cama, sem compromissos; pode ser chorar, quando o coração aperta; rir, quando a gente perceber que muito do que nos aflige pode ser tratado com mais leveza.
O racismo e a gordofobia estão mais relacionados do que muitos supõem. São duas formas de opressão gravíssimas, que carregam uma longa história de construção de padrões e de exclusões.
Quando perdemos alguém que amamos, temos a impressão (ou a esperança) de que um dia o luto “vai passar”. É uma perspectiva que também nos é reforçada constantemente, como se aquele vazio, uma hora, fosse deixar de existir.
O não pode ser, também, um ato de (auto)cuidado e de preservação das relações. Quando estabelecemos limites estamos deixando claro os lugares que nos deixam confortáveis, assim como o que nos incomoda.
Em nome de um padrão físico, muitas pessoas colocam suas saúdes físicas e mentais em risco, praticando ações perigosas, como seguir dietas que prometem emagrecimento rápido, independente das consequências.
Os encontros não serão sempre positivos. Às vezes, são experiências dolorosas, traumáticas até. As diferenças de perspectiva de vida, as invalidações da nossa voz, as dores que também podemos causar no outro, tudo isso é parte dessa experiência intensa e imprevisível que é viver.
É uma falácia dizer que todos temos as mesmas 24 horas. Questões de gênero, classe, raça, entre outras, influem em muito em como as pessoas podem acessar trabalho e descanso. Tudo fica mais difícil, também, quando glamourizamos a correria.
Precisamos ficar atentos para não retrocedermos. É importante que cobremos das marcas que abram espaço para o diverso, para que criem produtos que acolham as diferentes formas de existir e também que possamos ter, no cotidiano, um olhar despido de preconceitos.
Quando falamos que comida é política, estamos falando da importância de garantir que todos tenham direito a se alimentar dignamente, que haja espaço e fortalecimento para a agricultura familiar, quem planta, onde e como o faz; para a diversidade de alimentos, pelo respeito à natureza e também às dinâmicas culturais.
O racismo alimentar é, infelizmente, uma realidade que atravessa gerações e penaliza grupos socialmente invisibilizados e negligenciados.